Campo de Concentração do Tarrafal

Criado durante o governo do Estado Novo, a pedido de Salazar, este Campo foi construído no extremo noroeste da ilha de Santiago, um local que ainda hoje é de difícil acesso por estrada. Dizem que a escolha deste local se deve à sua beleza natural que permitiria aos guardas prisionais e a outros funcionários "arejar" as ideias durante as folgas naquela que é considerada a melhor praia da ilha. Infelizmente, como é visível nas fotos, o Campo está semi-abandonado, com vegetação invasiva, alguns edifícios degradados e cabras a pastar por todos os lados.


Assim que meti o pé fora do carro, apareceram logo vários miúdos bem pequenitos a pedir moedas, doces ou canetas. Dei tudo o que tinha e fiquei cheia de pena de ter dado uma mala cheia de brinquedos na ilha do Sal... Se o arrependimento matasse... É que na ilha do Sal, mal ou bem, as pessoas safam-se com o turismo. Agora aqui, os turistas são uma raridade e os miúdos são bem mais pobres... E são tão giros! Alguns têm olhos verdes e são mesmo bonitos!

A entrada é vigiada por dois porteiros que poucos bilhetes devem vender.

Para aqui entrar, os visitantes pagam a ninharia de 100$00 (menos de um euro). E não vi mais nenhum visitante no local, para além das cabras, embora logo ali ao lado existam alguns turistas italianos, franceses
e alemães a apanhar solinho na praia. O que se passa é que este local só tem siginificado para os portugueses e para os angolanos, cabo-verdianos e guineenses

Dentro e fora do recinto prisional, as cabras são uma constante.
Mapa do recinto
O Campo de Concetração do Tarrafal abriu a 18 de Outubro de 1936 e os primeiros prisoneiros, cerca de 152, começaram por viver em tendas. E foram eles que construiram a prisão a que viriam a chamar o "Campo da morte lenta". Dos cerca de 340 presos que ali passaram, morreram 34 mas muitos deles morreram de Malária.

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A partir de 1960, os prisioneiros eram separados de acordo com a nacionalidade.

Cela dos presos cabo-verdianos
Cela dos presos guineenses
Cela dos presos angolanos
No interior de algumas celas, agora adaptadas a museu, as paredes estão
repletas de cartazes com testemunhos de antigos prisioneiros a
relatarem o seu dia-a-dia na prisão e alguns episódios mais marcantes.

Era aqui o refeitório. De acordo com o relato de ex-prisioneiros que foram
depois transferidos para outra prisões, até nem era assim tão mau.
Aliás, a Cruz Vermelha visitou esta prisão depois do seu encerramento e
ficou impressionadao ao saber que os presos faziam uma ida semanal à praia,
tinham biblioteca e viam filmes

O interior mínimo de uma solitária


A cozinha onde se preparavam as refeições dos prisoneiros


O recinto dispunha de sala de leitura (imagem acima) e de um Posto Socorro (imagem abaixo)


 "Não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito", afirmou o médico que aqui trabalhava em 1936. Esmeraldo Pais Prata. Ficou com a alcunha de "Tralheiro" entre os prisioneiros. O Posto de Socorro funcionava também como Casa Mortuária.



A "Holandinha", criada em 1961, era o pesadelo das solitárias, pois consta que aqui as temperaturas
elevadas eram ainda mais elevadas. Trata-se de um cubículo de betão com 1,80 m de altura e cerca de 2,5 metros quadrados. Ficava junto à cozinha. Alguns presos ficaram aqui meses seguidos. 


O Campo de Concentração do Tarrafal foi encerrado em 1954 devido à pressão nacional e internacional mas reabriu em 1960 quando estalou a guerra colonial em Angola. Passou a receber os patriotas que exigiam a independência de Angola, de Cabo-Verde ou da Guiné, entre os quais vários escritores e artistas. O encerramento definitivo deu-se a 1 de Maio de 1974, logo após o 25 de Abril. Alguns edifícios foram já recuperados com o apoio da Fundação Mário Soares. Mas outros ainda estão por recuperar.
Cabo Verde está a preparar os documentos de candidatura desta prisão a Património Mundial da Humanidade. A acontecer, talvez este espaço venha a sofrer as obras de recuperação que tanto merece.

1 comentário:

  1. Fora a segunda vez na vida que entrara numa prisão (por incrível que apreça ambas que visitei obras do fascismo de Salazar) Foi uma visita pesada que fizemos quase sentimos na pele as amarguras de quem muitas vezes ali passou sem ter culpa, privado da liberdade em prol daquilo que hoje temos. A prisão do Tarrafal de repente saiu dos livros e estava mesmo diante dos meus olhos e ainda hoje não consigo imaginar como foram aqueles tempos. relato maravilhoso sobre um dos pontos da nossa história tantas vezes esquecida e claro praticamente sem visitas algumas

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